24 fevereiro, 2010

FAXINA

Tirei o dia para limpar minha pequena biblioteca com Thayza Oliveira. As estantes pegam a poeira que sobe da avenida, soprada pelos carros, e aproveito a oportunidade para identificar melhor os livros emprestados e devolvê-los aos donos, inclusive ao filólogo Nivaldo Queiroz, revisor do jornal da Adeppe. O primeiro é Teogonia, de Hesíodo. Vejo, pela amável dedicatória, que foi presente de Thomas Seixas. Ainda lembro de suas palavras: “Teogonia, ou o nascimento dos deuses, é um poema fundacional que explica a suposta origem do mundo pela narrativa da genealogia dos deuses”. A obra me impressionou.



Thayza puxa outro: Medeia, de Eurípedes. É a história da mãe que mata os próprios filhos para vingar-se de um homem que não a quer. Apesar de escrito por volta de 430 a.C., o drama é atualíssimo. A imprensa está cansada de publicar tragédias como essa em pleno século 21.



Lembrando meu vestibular da Faculdade de Direito Federal, quando caía literatura latina, folheei Decamerão, de Boccaccio, um dos responsáveis pela fixação do idioma italiano. Esse livro extraordinário me ajudou muito na prova de direto romano da Faculdade de Direito da Católica, com o professor Costa Porto. Eu não sabia nada da matéria, embromei com Boccaccio, e Costa Porto, alma boa e generosa, entre uma tragada e outra de Continental, me deu 9. Viva Boccaccio! Viva Costa Porto! Viva Walter Costa Porto!



Depois de limpar vários volumes, avisto Os contos de Maldoror, de Lautréamont. Esse, eu ainda não li. O tema é Zoofilia. Quem se interessar, eu empresto ou presenteio.



Thaysa me passa, rindo, O burlador de Sevilha, de Tirso de Molina. Símbolo máximo do conquistador, o mito de Don Juan se perpetuou pelos séculos na Europa em todos os gêneros de arte. Vou oferecer a Roberto Cunha, o Bel, que, com ele, deverá aperfeiçoar seus dotes de galã barrigudo. As aventuras de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, história da menina que conversa com o coelho de cartola, darei a minha filha, Mamá. Ítalo Suevo estava escondido no canto da prateleira com A consciência de Zeno e separei para reler. Psicanálise é coisa para Luís Carlos Albuquerque e Luiz Alberto Dobbin, dois príncipes da psiquiatria pernambucana. William Blake está na ponta da estante e nunca o li, tenho a maior curiosidade. O problema é que Machado de Assis, com sua pena de galhofa, pessimismo, humor negro, ironia e melancolia, não sai da cabeceira da minha cama, tendo como vizinho ilustre Joseph Conrad, com seus heróis e anti-heróis solitários empulhando e confundindo o leitor com manipulações e imprecisões para expressar atmosferas ambíguas e conflitos que não se reduzem a uma única e simples explicação. Negócio para decodificação atrasada. Você é difícil e complicado, mas eu gosto de você!



E Robert Musil, com seus romanos, principalmente O homem sem qualidades, proibidos pelo nazismo? Por causa disso, ele morreu na miséria. Recomendo sua leitura. Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, aconselho a Celso Muniz, A morte de Virgílio, de Hermann Broch, ao Comandante Leandro. E O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati, ao Comandante Lara. Viagem do fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline, a Gladstone Vieira Belo. E Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, a Ivanildo Sampaio. Se ainda não leu, leia Uma passagem para a Índia, de Edvard Morgan Forster, Juracy Andrade. Orgulho e preconceito, de Jane Austen, indico ao Coronel Costa Leite e a Romero Coutinho.



Vou devolver O náufrago, de Thomas Bernard, que João Alberto Sobral me cedeu. E On the road, de Jack Kerkouac, a Eduardo Lemos, quando ele me restituir Reparação, de Ivan McEwan. Margarida Cantarelli: breve lhe enviarei Desonra, de Coetzee, e As irmãs Makioka, de Juan"Ichiro Tanizaki. Você vai gostar. Calma, Cícero Morais, ainda não terminei Pedro Páromo, de Juan Rulfo. Por favor, não force a barra, assim não dá.



» Arthur Carvalho, advogado e jornalista, é da Associação Brasileira de Imprensa-ABI

Fonte: Jornal do Comércio (opinião), 24/02/2010



POSTADO POR ARLINDO SIQUEIRA

BLOG COM MAIS DE 85 MIL ACESSOS!

0 comentários: