01 agosto, 2011

Revolução na Mata Norte



 
Quando desembarcar hoje no Recife, o presidente da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), Romulo Maciel Filho, trará na bagagem a garantia de que a estatal – criada pelo governo brasileiro para tornar o país autossuficiente em medicamentos produzidos a partir do plasma humano – vai revolucionar a economia da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Na terça-feira passada, Romulo assinou, em Paris, um contrato de transferência de tecnologia com o Laboratoire Français de Fractionnement et des Biotechnologies (LFB), a sexta maior empresa mundial do setor. Por 140 milhões de euros, os franceses vão instalar os equipamentos necessários para o início da produção de seis hemoderivados em Goiana. Mais do que isso, transformarão a Hemobrás na mais nova integrante de um mercado exclusivo que movimenta US$ 50 bilhões por ano. Romulo, como toda a diretoria da Hemobrás, tem pressa em acelerar o início da produção, que está prevista para 2014. Nesta entrevista, ele fala sobre o mercado de hemoderivados, da revolução que acontecerá em Goiana e da necessidade de não só capacitar funcionários, mas mantê-los depois que eles se especializarem.

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Economista, 53 anos, casado e com três filhos,  Romulo Maciel Filho foi nomeado presidente da Hemobrás no dia 9 de outubro de 2009    

Era o representante do Ministério da Saúde (MS) no Conselho de Administração da estatal desde novembro de 2008           

Natural do Recife, é servidor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde 1986       

Possui mestrado em planejamento e gestão de políticas de saúde pela Leeds Metropolitan University e doutorado pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ).          

Atuou como assessor especial do ministro da Saúde. Foi diretor da Secretaria de Políticas de Saúde e gerente administrativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Foi diretor do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), a Fiocruz de Pernambuco.

Figurou como um dos fundadores e coordenador do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (Nesc) dessa unidade da Fundação, de 1989 a 1993.     

Entrevista especial >> Rômulo Maciel Filho 

“Um mercado de R$ 800 bilhões”      

Por que é importante o Brasil ter uma empresa como a Hemobrás, de processamento de plasma?        
O Brasil está atrasado nisso. Nós temos uma política social de saúde extremamente avançada, com uma inclusão social permanente, sendo um dos aspectos mais importantes a universalidade do acesso da população aos serviços de saúde. Mas o Brasil, que domina tecnologias extremamente avançadas, como a aeroespacial e a de prospecção de petróleo em águas profundas, ainda não tinha a capacidade de produzir os seus próprios hemoderivados. Os brasileiros que precisam deles para sobreviver dependem ainda de forma absoluta de medicamentos importados.           

Isto vai mudar no momento em que Goiana entrar em operação?
Eu acho que vai mudar muita coisa. Na questão sanitária, a médio prazo vamos construindo esta autonomia e, consequentemente, diminuindo a vulnerabilidade brasileira no que diz respeito ao enfrentamento dos seus problemas de saúde. Mas tem outras duas dimensões que eu quero destacar: as dimensões econômicas e sociais do projeto Hemobrás, referindo-me principalmente sobre a população que está no entorno da fábrica, a população nordestina, de modo geral.   

Por que Goiana?         
A escolha de Goiana passou primeiro por uma disputa nacional. Pernambuco foi escolhido porque ofereceu melhores vantagens comparativas. Foi diretamente associada a esta escolha a experiência que já existia na área de sangue em Pernambuco com o protagonismo do Hemope. Quem decidiu fazer a fábrica da Hemobrás foi o presidente Lula, especificamente na gestão do ministro Humberto Costa, uma decisão que teve um conjunto de aspectos técnico-científicos: o fato do Hemope estar em Pernambuco, de termos institutos tecnológicos como o Itep, o Aggeu Magalhães, as universidades, de estar próximo da Paraíba. Mas tem uma gestão que perpassa tudo isso, que tem a ver com a política do governo Lula, que era a de descentralização dos investimentos deste país. Era dar ao Nordeste a opção de criar riqueza também.    

Por que o plasma é tão valioso e estratégico?         
O plasma é um subproduto do sangue humano riquíssimo em possibilidades na produção de medicamentos muito importantes, mas tem uma particularidade que é a necessidade de ser acondicionado sempre a baixíssimas temperaturas. Então, para ser viável industrialmente, tem que ser guardado a 35 graus Celsius negativos e de forma muito rápida. No momento em que é extraído, tem que ser armazenado imediatamente e não pode sofrer variação de temperatura. É um produto extremamente escasso e valioso.

Por que os franceses liberaram tecnologia para a Hemobrás em uma área tão estratégica?                    
O mercado brasileiro é um mercado de R$ 800 bilhões para medicamentos hemoderivados. O LFB é uma empresa estatal francesa, sem fins lucrativos. A França tem uma legislação parecida com a nossa no ponto de vista da vedação da comercialização do sangue e seus derivados e nós precisávamos de um parceiro que dominasse a tecnologia. Todos os outros potenciais parceiros não tinham interesse em participar, porque transferir tecnologia significa passar mercado. O LFB se propôs a ser nosso parceiro e, depois de todo este processo concluído, ele vai ter uma garantia de que, durante dez anos, terá royalties sobre os produtos que iremos comercializar a partir desta transferência que irá nos passar.            

Como vai ser feita esta transferência de tecnologia?         
A construção desta fábrica passou por uma revisão completa da sua estratégia há dois anos e nós planejamos realizá-la em três etapas. A primeira já está sendo concluída agora em dezembro, que é a câmara fria, onde vamos armazenar todo o plasma nacional, com capacidade para 500 mil litros. A segunda é toda a parte de construção civil, os prédios, a casca da empresa, são 21 blocos. Também foi contratada em maio e tem dois anos para ser realizada. E a terceira, que estamos iniciando agora, que eu chamo a alma da empresa, o conteúdo, o recheio. É toda a parte tecnológica, de instalação de equipamentos e de validação destes processos. Vamos alocar recursos para que o LFB faça as encomendas. São equipamentos extremamente complexos, feitos sob medida.  Não existem similares pelo menos no Nordeste. As primeiras levas serão entregues provavelmente no segundo semestre de 2012. A nossa expectativa é de que este processo dure aproximadamente seis anos.     

Como isso vai se refletir na geração de empregos em Goiana e toda a Mata Norte?
Neste momento temos entre 130 e 150 trabalhadores em Goiana, hoje muito mais voltados em relação à parte da construção civil. A nossa previsão é de que até o final do ano tenhamos 800 pessoas trabalhando no canteiro de obras. Nesse caso específico da transferência de tecnologia, ele é muito pouco carregado de recursos humanos. A gente vai treinar gente na França. Vamos mandar quase 30 pessoas de diversas áreas.

E quando a Hemobrás passará a trabalhar também na área de biotecnologia?      
Isto vai se intensificar quando começarmos a produzir efetivamente. Mas já estamos discutindo possíveis parcerias, que possam ser estabelecidas no paralelo da construção da fábrica. E aí temos algumas conversas com alguns grupos acadêmicos, científicos e tecnológicos dos Estados Unidos, alguns aqui da França mesmo.

O plasma no Brasil é obtido de forma voluntária. O que é preciso fazer para evitar desperdício deste bem tão precioso?       
Por força das características da política de sangue no país, há efetivamente uma baixa deficiência na coleta. Temos dados que apontam que o Brasil teria capacidade de produzir por volta de 600 mil litros de plasma e só consegue produzir em torno de 120 mil. Precisamos avançar muito no campo da logística e capacidade de coleta do plasma. A Hemobrás tem a responsabilidade de gerenciar o plasma brasileiro. Nosso desafio é transformar estes 120 mil litros em 300 mil, pelo menos em 2014. Esta é a escala que precisamos para operar a fábrica.  

Como você visualiza Goiana depois que a Hemobrás estiver funcionando?
 Vejo Goiana como outra cidade a curto e médio prazos. Todos nós estamos fazendo uma espécie de revolução e isto vai mudar a cara daquela região, porque não é só Goiana, é o estado de Pernambuco, é a Paraíba, vai ser Rio Grande do Norte. Vamos criar novas cadeias produtivas, vai ter demandas de bens e serviços de toda a natureza. Goiana tem tudo para ser um polo de desenvolvimento e referência nacional e internacional em pouco tempo.           

Como está a capacitação de quem passou no concurso público?    
Nós temos um grande desafio. Temos que mudar o regramento da empresa, buscar alguma forma não só de capacitar este profissional, mas de fixar quem está sendo treinado na França ou capacitado nas escolas, com a vontade de trabalhar mas continuar crescendo. Para isso precisamos ter salários competitivos no mercado farmacoquímico e não temos isto. Temos que ser uma empresa que estimule os funcionários e faça com que eles vejam Goiana como um projeto de vida. É um trabalho dessa diretoria.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Paulo Goethe
Recife, segunda-feira, 1º de agosto de 2011

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