18 junho, 2010

CARTA A FELÍCIA

RECEBI UM E-MAIL DO VEREADOR MARCELO SANTA CRUZ E VOU POSTÁ-LO AQUI.
Olinda, 13 de junho de 2010


 Felícia minha amiga

Escrevo-lhe em agradecimento ao honroso convite para participar das homenagens a Ruy Frazão Soares, seu eterno companheiro. A viagem à São Luís ficará gravada para sempre em minha lembrança, devido à forte emoção causada pelas homenagens aos nossos mortos e desaparecidos políticos, personalizada na figura emblemática de Ruy. Estranha sensação: não me parecia que já são transcorridos 36 anos, desde aquele fatídico 27 de maio de 1974. A saudade, o sentimento de perda, faziam parecer que tudo teria ocorrido recentemente. Em determinado momento das homenagens, confesso que soltei minha imaginação. Vislumbrei Fernando Santa Cruz, Ramires, Maranhão do Vale, Honestino Guimarães, Humberto Câmara Neto, Eduardo Collier Filho, Mário Alves, David Capistrano, Luis Inácio Maranhão, José Roman, Luis Almeisa Araújo, e várias mulheres, entre elas Isis Dias de Oliveira, Anatalia, Ranusia, Ana Rosa, algumas das quais não tive
a oportunidade de conhecer pessoalmente, mas de quem me tornei amigo, amizade nascida através da convivência, das caminhadas em busca de notícias nos quartéis, nos escritórios de seus advogados, nos comitês de anistia, empreendidas junto com as seus familiares. Minha amiga Felícia, permita-me chamá-la de minha irmã Felícia, pois a amizade que há entre eu, você e Ana Muller, foi forjada na luta por justiça e na mais terrível adversidade. É com absoluta certeza que afirmo: nossa amizade não tem limites. Esse é mais um fenômeno ocorrido em nossas vidas, provocado por nossos (as) irmãos (as) e companheiros (as), militantes da causa de um mundo melhor, cujo traço comum na personalidade era a ilimitada solidariedade. É impressionante, quando falamos de Ruy, como lembramos da sua forma de ser solidário, de relacionar-se com as outras pessoas, de sua paciência em ouvir, de sua maneira de ser firme e determinado sem assumir posições sectárias, tão comuns na juventude e naquele tempo de
ditadura. Yolanda, irmã de Ruy, recordou que em certa ocasião, em
criança, teria quebrado um jarro, e aflita recorreu a ele, que a ouviu
sem bravata, sem alardear que assumiria a responsabilidade por aquela traquinice. Mas foi solidário e recebeu a repreensão no lugar dela. Lembrei de imediato um episódio que mamãe costuma citar, ocorrido com seu filho Fernando. Tinha ele um grande desejo de
possuir uma calça jeans, conhecida na época como "americana". Família numerosa, dez filhos, a aquisição dessa calça custava caro, era um acontecimento importante, merecia ser comemorada. Este presente distinguiria Fernando dos demais irmãos e provocaria uma certa ciumeira pois, bem, Fernando foi presenteado em seu aniversário com a cobiçada calça "americana". Houve uma verdadeira festa, a alegria estava estampada no
rosto dele. Fernando a vestiu e foi para o Ginásio Pernambucano.
Quando retornou, à noite, trajava uma calça igual, mas rota, rasgada, e visivelmente gasta pelo uso. Indignada, mamãe indagou o que houve, e ele simplesmente disse: troquei com meu amigo Luis, ele é vice-presidente da União dos Estudantes Secundaristas e precisa viajar para o sul, com a missão de organizar o movimento estudantil. Eu vou ficar por aqui mesmo, ele precisa mais do que eu. Fernando foi salvo da bronca que recebeu em seguida pela interferência de papai que ouvia atentamente os argumentos do seu filho. Disse ele, Zita não brigue tanto com o menino, ele foi solidário com o amigo. A única consequência é que vai ficar com a calça de Luís, outra eu não posso comprar e a próxima não será dele, é bom que ocupe seu lugar no fim da fila. E concluiu, dizendo, seja sempre solidário, meu filho, e não esqueça que todo ato tem uma consequência. E são inúmeros os casos dessa natureza ocorridos com esses (as) companheiros (as), todos eles(as) tendo em comum o traço acentuado da solidariedade sem limites, assumindo como consequência o sacrifício da própria vida, para que outros pudessem viver e não fossem submetidos à tortura. Face ao conteúdo tratado na presente correspondência, permita-me que a mesma seja veiculada publicamente. Receba e transmita a todos (as) amigos (as) um forte e afetuoso abraço.

Marcelo Santa Cruz


                         POSTADO POR ARLINDO SIQUEIRA
                            BLOG COM MAIS DE 99 MIL ACESSOS!

0 comentários: