21 março, 2011

O lado oculto do assistencialismo

Edição de segunda-feira, 21 de março de 2011- Diário de Pernambuco
Um dos programas mais populares do governo federal, Bolsa Família ainda é falho ao fiscalizar recursos



Estudo aponta que 26% dos menores que praticam a mendicância nas grandes cidades recebem o benefício. Foto: Teresa Maia/DP/D.A PRESS - 12/03/06
Um quarto dos meninos e meninas que vivem nas ruas do Brasil recebem dinheiro do Bolsa Família por meio de seus pais ou responsáveis. Eles representam, mais precisamente, 26% das 23.973 crianças e adolescentes que perambulam por semáforos, esquinas, praças e pontes nas médias e grandes cidades do país. Os dados, levantados por estudo financiado pela Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, colocam em xeque justamente um dos princípios do maior programa de transferência de renda do governo federal: exigir a frequência escolar dos contemplados, bem como o acompanhamento da caderneta de saúde. Tais aspectos, sempre invocados quando surge a acusação recorrente de que o Bolsa Família tem um caráter meramente assistencialista, ficam comprometidos quando se trata de uma população tão vulnerável.

O estudo, intitulado 1º Censo Nacional de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua 2010, aponta ainda que a proporção de contemplados com o programa do governo federal pode ser ainda maior, já que 27,4% dos entrevistados disseram não saber ou não se lembrar se a família recebe algum benefício. Para a vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Miriam Maria José dos Santos, o dado causou ´surpresa`. ´A gente tende a pensar que todo o problema se resolve com renda, mas o que vemos é a necessidade de outras políticas sociais.` Segundo Miriam, o Estado precisa fiscalizar a frequência escolar dessas crianças, mas também envolver os educadores e toda a sociedade no combate ao desafio da mendicância, do trabalho infantil e de outras formas de exploração.

Juiz da Vara da Infância e Juventude do Recife, Humberto Costa Junior vê um risco de o programa social do governo ´morrer` caso não haja uma estruturação mais efetiva. ´Considero o Bolsa Família de suma importância, mas para dar o 'start', tirar a pessoa do ponto morto. Agora, se o Estado continua ofertando o Bolsa Família e a sociedade segue dando esmolas, isso vira um negócio sem fim`, destaca o magistrado. Ele defende a exigência da contrapartida, mas entende como extremamente difícil fiscalizar meninos que passam os dias nas ruas, tanto no que diz respeito à frequência escolar quanto à real aprendizagem obtida nas aulas. O Ministério do Desenvolvimento Social informou que desde 2008 iniciou uma estratégia de cadastramento de famílias em situação de rua, mas não soube precisar quantas já estão recebendo o benefício, em função de dificuldades técnicas.

Ao destacar que as exigências de frequência escolar e acompanhamento da saúde se aplicam também às famílias que vivem nas ruas, o MDS informou que o processo de fiscalização é ´idêntico ao demais alunos`. E completou: ´A diferença é que, quando a criança estiver com dificuldades de acessar a escola, a equipe de assistência social do município faz o atendimento no serviço de proteção básica ou especial`.

Quanto à questão da saúde, não houve menção na nota encaminhada à reportagem. O MDS destacou, ainda, que no último período de acompanhamento, referente aos meses de outubro e novembro de 2010, 297 beneficiários com problemas na escola tiveram registrado o motivo ´Mendicância/Trajetória de rua`. Depois de uma notificação e três suspensões temporárias do benefício, o repasse é cancelado na quinta vez que um problema semelhante é constatado pela equipe de fiscalização.

Reajuste

Lançado em 2003, o Bolsa Família passará, a partir do próximo mês, com o reajuste anunciado pela presidente Dilma Rousseff recentemente, a remunerar cada família em cerca de R$ 115. Hoje são 12,9 milhões de famílias contempladas - aproximadamente 50 milhões de pessoas, com dados de fevereiro passado.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO

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