23 janeiro, 2012

Entrevista >> Cícero Carvalho



"Existe um forte preconceito antiNordeste"

Cícero Péricles de Carvalho é um dos principais nomes da nova geração de pensadores da questão regional. Tem doutorado em economia e sociologia agrária pela Universidade de Córdoba (Espanha) e mestrado em sociologia política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Autor de dois livros sobre economia regional, é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

O caso Fernando Bezerra Coelho expõe por trás das críticas alguma postura de preconceito contra a região?
Existe um forte preconceito antiNordeste dos segmentos mais conservadores do Sul e Sudeste. E isso vem sendo construído desde o século 19, quando o Nordeste perdeu a antiga importância e ficou rotulada de “região-problema”, economicamente subdesenvolvida, socialmente problemática e politicamente atrasada, comandada por coronéis. Uma visão que não é absoluta, mas influencia, até hoje, a opinião geral da mídia nacional, principalmente a centrada nas áreas mais ricas. A leitura preconceituosa do resultado da última eleição presidencial, em parte decidida no Nordeste, revela essa forma enviesada de entender a região e, de certa forma, uma recusa em aceitar as mudanças ocorridas nos últimos tempos, como a urbanização, o aumento da escolaridade, a melhoria da renda, que, de alguma forma, vêm alterando a paisagem social e política da região. A essa dificuldade em entender o novo vem se somar um dado da realidade, que é a sobre-representação política nordestina muito mais expressiva na vida nacional que sua economia e mesmo sua população. Essa presença ativa, tanto no parlamento como no poder executivo, aumentou a disputa por recursos federais e por políticas específicas na região. Neste quadro, quando surge um problema em um dos ministérios comandados por um nordestino, de imediato, se faz a associação com esses elementos do passado.

O fato de Eduardo Campos ter entrado nas cogitações de possíveis candidatos à presidência influenciam também estas críticas a um ministro indicado por ele?
Com certeza. O ambiente democrático em que vivemos antecipa os nomes e a eventualidade de candidaturas, assim como torna mais frequente o noticiário sobre problemas na gestão pública. A possibilidade de Eduardo Campos ser um dos nomes para a disputa presidencial o transforma em personagem de maior atenção. Ele  é um importante nome da base de apoio ao governo federal, dirigente de um partido que vem crescendo eleitoralmente, ex-ministro do governo Lula que transita com muita facilidade no governo Dilma, e um gestor que vem recebendo uma boa avaliação da opinião e da mídia nacional.  Evidentemente, um ministro que contar com seu apoio será um alvo muito importante nesta disputa.

O fato de o Nordeste receber alguns grandes investimentos do governo federal  e  com o apoio dele, gera ciúmes  das regiões mais desenvolvidas?
No caso da economia, o crescimento nordestino tem gerado uma onda de simpatia da mídia nacional, que usa com frequência as expressões “crescimento chinês” ou “bola da vez” referindo-se à situação em que se encontra o Nordeste atual. Por sua vez, as obras federais em andamento, assim como os investimentos privados que contam com o apoio federal, têm seus aspectos polêmicos realçados, a exemplo da transposição do São Francisco, mas não chegam a causar ressentimentos ou problemas maiores na opinião pública do Sul e Sudeste. O que se mantém, nos setores mais refratários dos centros mais ricos, principalmente São Paulo, é uma posição antiga, de que os recursos federais alocados para o Nordeste, na maior parte, financiados pelos estados mais ricos, sofrem com a malversação, são desperdiçados com a corrupção, com a manutenção de uma estrutura coronelística. Pesa também a visão de que São Paulo e outros estados trabalham e os nordestinos usufruem desses recursos e transferências, e, mesmo assim, não conseguem romper o atraso secular. Esses segmentos não acompanham nem se interessam pela nova conjuntura  da região. O problema, em relação ao ministro, é político e se deve ao papel exercido pelo órgão que comanda. É um ministério sempre disputado, que movimenta recursos que interessam ao desenvolvimento do Nordeste e de outras regiões.  
 
Recife, domingo, 22 de janeiro de 2012

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